quarta-feira, 23 de junho de 2010

Aborto de feto anencéfalo. Por quê?

* Por Valtencir Kubaszwski Gama

Em tramite no Supremo Tribunal Federal, a ADFP nº 54 pretende ver declarado direito de as gestantes de fetos anencefálicos se submeterem a prática de aborto terapêutico sem as conseqüências penais.

Ocorre que todo o foco de atenção na ADPF-54 foi dado a gestante, mas o mérito da ação é o aborto, e quanto ao feto praticamente nada se referiu. Seus direitos passaram despercebidos na peça inicial da ação. E mais, o objetivo da ação é legalizar o aborto de fetos com MEROANENCEFALIA (mero=parte), comumente denominados de ANENCEFÁLICOS, ou seja, fetos que não tem em maior ou menor grau, as partes superiores do encéfalo, e que, erroneamente, têm sido interpretados como não possuindo todo o encéfalo.

O termo anencefalia conduz a um erro de interpretação etimológica, pois anencefalia=sem cérebro. Mas o anencéfalo possui encéfalo; parte dele, mas o possuí. Se não possuísse todo o encéfalo, daí sim tal situação seria totalmente incompatível com a vida, até mesmo pela incapacidade de respirar. O feto (mero)anencéfalo está vivo.

O aborto, então, antecipa sua morte. Logo, é pelo aborto que ele virá a morrer. A morte passa a ser resultado direto dos meios abortivos, e não da anencefalia. O tempo que viverá o bebê é inquestionável. Se viver minutos, horas, dias, meses. O que importa o tempo, se o mais são dos fetos pode não sobreviver ao parto? Se o mais são dos homens pode falecer a qualquer instante? A gestante não deve esquecer de que não se trata apenas do seu próprio corpo. Mas se cuida de uma outra vida, de vida autônoma, de vida que vale por si, pelo simples fato de existir.

O sofrer de qualquer dor, por mais intensa que seja, não ultrapassa o sofrimento da morte. Daí ser contraditória uma piedade que mata. Não será a antecipação da morte que livrará a mãe ou o feto de seus sofrimentos. Esquece-se o autor da ADPF-54 que o direito à vida é posto como marco primeiro no espaço dos direitos fundamentais, sem limitar tempo algum. E havendo vida desde a concepção, à esta vida são garantidos direitos. Em nota sobre o aborto de fetos “anenceflálicos” a CNBB divulgou que o feto anencefálico é um ser humano vivente e sua reduzida expectativa de vida não nega os seus direitos e a sua dignidade.

O aborto de feto com anencefalia é uma pena de morte infligida contra um ser humano inocente, frágil e indefeso. O que se busca, com este tipo de aborto, é resolver pelo método da morte, a sem dúvida complexa e delicada situação, gerada com o diagnóstico de um feto com malformação letal, no psiquismo de seus pais. O pleito da ADPF-54 está na contra-mão da construção da sociedade solidária. O padre Luiz Antonio Bento, doutor em Bioética e assessor da Comissão para a Vida e a Família da CNBB bem colocou que “Não se constrói uma sociedade contra inocentes. Se não respeitarmos essa fase da vida, certamente não serão respeitas as seguintes”.

O aborto seletivo é filho de uma cultura que vê, em uma vida que não responde a seus parâmetros, um obstáculo e uma ameaça. A aceitação do aborto na mentalidade, nos costumes e na própria lei é sinal eloqüente de uma perigosíssima crise do senso moral, que se torna cada vez mais incapaz de distinguir o bem do mal, mesmo quando está em jogo o direito fundamental à vida.

O sadio pensa que o malformado terá uma vida infeliz e fará outros infelizes, julgado ser melhor para a criança não nascer do que levar uma vida sobrecarregada de doenças, geneticamente mutilantes (BENTO,Luis Antonio. Bioética:Desafios éticos no debate contemporâneo, Ed Paulinas). Muitos cuidam de cães e gatos como se seus filhos fossem. Mas não aceitam filhos que possam apresentar qualquer problema de saúde. Quando a vida não é respeitada, todos os outros direitos são menosprezados.

* Advogado

Leg