quinta-feira, 4 de junho de 2009

Vale à pena

Paulo Sant'ana é um colunista consagrado. O mais lido do Estado, segundo a pesquisa que a Revista Amanhã faz anualmente. Como todos que escrevem textos diariamente, nem sempre a criatividade de Sant'ana está em alta. Muitas vezes suas colunas são até deprimentes. Mas quando acerta na veia, têm de se tirar o chapéu. Como aconteceu em sua coluna desta quinta-feira. Para aqueles que não tiveram oportunidade de lê-lo, reproduzo aqui o texto, veiculado na Zero Hora. Vale à pena.

O Flerte e a dúvida

Me enganei redondamente. Pensei que o mais sublime e delicioso instante do amor se dava antes de ele ter acontecido: achei que era o flerte.

Aquela troca de olhares furtivos mas profundamente interessados, aquele fingir de nada querer tudo querendo, aquele disfarçar de indiferença, deixando notar, no entanto, que não há outra meta mais importante na vida naquele instante do que conquistar o alvo do flerte, aqueles desdéns planejados, estratégicos e maliciosos que intermedeiam o flerte, até o momento culminante desse jogo emocionante em que os quatro olhos se encontram e se fixam, aquele turbilhão de promessas imaginárias que exalam do flerte, pensei, era o flagrante mais elucidativo e saboroso do amor, maior e mais intenso e mais fogoso até do que a futura fricção dos corpos.
***
Mas não é o flerte o ápice exordial do amor. Experimentei o momento do êxtase do amor, também localizado nas primícias dele.

Se se for fazer um programa sobre os melhores momentos do amor, este outro instante que descobri irá para o lugar mais alto do pódio.

É quando, depois do flerte ou até mesmo da inexistência do flerte, se instalou na relação de amizade ou em qualquer aproximação entre um homem e uma mulher uma dúvida instigante e deleitosa: será que ela está me amando? Será que ele está me querendo?

Ou apenas está sendo gentil e cordial comigo? Ou deseja apenas ser minha amiga? Ou sou mais uma das pessoas que a atraíram por atributos que nada têm a ver com o amor e que apenas se destacam por assinalada sociabilidade?

Não se dorme. É impossível conciliar o sono quando esta dúvida ao mesmo tempo atordoante e deliciosa se instala na mente de alguém para quem falta apenas saber se o outro gosta e quer, para apaixonar-se perdidamente.

Digo-lhes que não há prazer mais extenso e abrasador que este: quando uma dúvida que falta pouco para se tornar certeza desejada toma conta de uma pessoa tocada pelas ondas anunciadoras do amor.

É tão avassaladoramente saborosa esta dúvida que alguns que são por ela tocados pedem aos céus que seja adiada a solução, mesmo que venha a ser favorável. Torcem para que a vida não lhes tire tão depressa aquela sensação divina de esperança.

E há até alguns que mesmo depois do amor consolidado preferem sempre ter em seu espírito esta dúvida como um nutritivo estímulo ao romance permanente.

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