sábado, 10 de setembro de 2011

Malucos Beleza

Camaquã está ficando séria demais. Será que o crescimento de uma cidade tem a ver com incapacidade de rir de si? É ruim se assim for. Aos poucos, o folclórico vem sendo substituído por uma racionalidade que chega a ser irritante.

Por exemplo, temo muito que a definitiva saída de José Cândido de cena, a política, fonte rica de personagens, também fique sem graça. E vem-me à cabeça o irmão Carolino, que depois de muito tentar, conseguiu se eleger a uma cadeira na Câmara. Era guri ainda, mas recordo que seus discursos, vestes e trejeitos davam o que falar. Da tribuna legislativa, irmão Carolino fez o célebre discurso dos ovos, que se não compõem, deveria fazer parte dos anais do Legislativo.

Nestas freqüentes rodas de família e de amigos, volta e meia vem à baila um ou outra figura, retida no imaginário. Loucos, bêbados, extravagantes ou excêntricos, eles ajudavam a formar a alma da aldeia. Ilustravam inevitavelmente sua paisagem, bem mais leve à época, engraçada, inocente.

Das mitologias locais, talvez a mais mística tenha sido mesmo a Cocota. Poucos sabiam o seu nome de batismo – se é que tinha certidão de nascimento. Sua casa era na Praça Donário Lopes, juntinho ao prédio dos Correios. No seu palacete imaginário erguido com caixas de papelões, ninguém chegava perto. Era invocada a Cocota! Detestava se a olhassem mais demoradamente. Aliás, nem sempre era preciso mirá-la firme para ser chingado e perseguido pela grisalha e judiada Cocota. Da sua boca, saiam os mais horrendos palavrões, dirigidos a quem ela imaginava querer invadir seu espaço. A Cocota dava medo. Um asilo foi sua última morada. E segundo uma rápida pesquisa, não faz muito tempo que ela se foi.

Outra figura memorável foi o Alvício. Brizolista fanático, depois de encher a cara nos botecos, rompia pelas ruas nas frias ou quentes madrugadas. Gritava embaralhado e o pouco que se entendia eram os nomes de Brizola e Getúlio Vargas. Faz um mês que o Alvício partiu. Também estava num asilo municipal. Já do lado da Arena, tinha o Praianinha. Impressionante que tinha uma época que o pequeno Praianinha parecia estar em todas as partes da cidade ao mesmo tempo. Foi o mordedor local mais consciente que se tem notícia. “Dinheiro para o trago é para o trago, pra que vou mentir”, resumia em tom professoral o mais notório cabo eleitoral de Paulo Costa e Marco Aurélio Pereira.
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“E com eles foi-se também uma atmosfera provinciana”
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Tinha também a Bailarina. Negra magra, que tinha problemas crônicos de coordenação motora. Ela fazia a alegria das meninas, principalmente, que adoravam imitá-la. O Pia Fom Fom, que caminhava por todo o centro e quando notava que chamava a atenção, coçava a genitália escancaradamente nas esquinas. Ato obsceno? Nada. Era infantil, engraçado. O Teixerinha (ou Pedro Cunha) era outro notório. Aonde chegava, de calça arremangada e pés descalços, pedia comida. E assim ele ia enchendo o pandulho até chegar em casa, que ninguém sabia onde de era, ou se existia mesmo.

E tem o Cenourinha. Grande Cenourinha, que corria uma “10 São Silvestres” por ano. Para ele, toda a maratona tem esse nome. E tantos e tantos outros, como os folclóricos mais sociais, como o Jorge Atrib, o Carão e outros tantos.

É, essa gente sumiu. E com eles foi-se também uma atmosfera provinciana, que evaporou irreversivelmente. A verdade é que nossas prioridades e conceitos também mudaram. A mais marcante da nossa essência como cidade sempre foi essa capacidade que os camaqüenses têm de viver nesta permanente simbiose de classe, raças, idade. Tenho receio que isso também acabe. Temo nos tornarmos taciturnos demais, exageradamente certinhos e isolados em nossas metas e razões. Uma cidade precisar rir.

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