Desde julho do ano
passado, o pedreiro Amarildo Dias de Souza é o símbolo máximo da luta contra a
ação de maus policiais no Rio de Janeiro. O "Cadê o
Amarildo?" foi usado tanto para cobrar providências como para embalar
a série de manifestações contra o governador Sérgio Cabral. O corpo do homem de
43 anos que, para o Ministério Público, foi torturado e morto por PMs de uma
Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), nunca foi encontrado. A família do
pedreiro passou a viver, depois de seu desaparecimento, num quadro
agravado da pobreza na qual já se encontrava. Uma bem intencionada campanha
conclamou artistas, intelectuais e doadores a contribuir com a viúva e os seis
filhos do pedreiro. O “Somos Todos Amarildo” deu resultado.
Comandado pela
empresária e produtora Paula Lavigne, o projeto arrecadou 310.000 reais em dois
eventos: um leilão de arte e objetos de famosos e um show no Circo Voador, com
participação de Caetano Veloso e Marisa Monte. A família do pedreiro, no
entanto, ficou com a menor parte: com a compra de uma casa e de mobília, foram
gastos, respectivamente, 50.000 e 10.000 reais. O restante do dinheiro –
250.000 reais – ficou com o Instituto de Defesa dos Direitos Humanos (DDH), ONG
que se tornou notória por defender black blocs e tem, entre seus diretores,
um assessor do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), o advogado Thiago de
Souza Melo.
Um dos organizadores do
evento, que pede para não ser identificado, afirmou ao site de VEJA que, desde
o início, a família sabia que não ficaria com o montante total do
dinheiro – apesar de o uso do nome do pedreiro dar a entender que o valor
seria destinado a ela. Mas foi informada, na ocasião, que ficaria com metade –
o que, nos valores de fato arrecadados, corresponderia a 155.000 reais.
“Soubemos na época que ficaríamos com metade. Como recebemos 60.000, eu pensava
que o total era de 120.000” ,
diz Anderson Dias, de 21 anos, o primogênito, que administra, com a mãe,
Elizabeth, as contas da família.
Moram na casa, além dos
dois, os filhos Amarildo, de 18 anos; Beatriz, 13; Alisson, 10; e Milena, 6.
Todos em uma casa de dois quartos, sala, cozinha e banheiro. Só um dos filhos
de Amarildo – Emerson, de 20 anos – não vive no imóvel. A área de serviço – que
não tem janela – está sendo adaptada para servir como dormitório. Segundo
Anderson, a casa que a família recebeu é uma construção antiga, com
defeitos na rede elétrica e na parte hidráulica. Devido aos problemas
encontrados, os filhos procuraram o advogado João Tancredo, presidente do
DDH, para saber sobre a possibilidade de uma reforma. “Fiz um orçamento no
valor de 45.000 reais. Mas Tancredo me disse que não tinha
mais dinheiro", afirma.
Os 10.000 reais que a
família recebeu para comprar os móveis para a casa também não foram
suficientes. Elizabeth não conseguiu comprar mesa, cadeiras e
fogão. "Fiz uma lista com o que era indispensável, mas tive que
cortar muita coisa. Não deu nem para comprar o fogão. Pedi a minha cunhada
para usar o cartão dela e vou pagando aos poucos", conta
Elizabeth. "Não tive coragem de pedir mais dinheiro, porque achei que a
outra parte seria destinada a outras pessoas pobres. Mas vou conversar sobre
isso com o advogado".
O presidente do DDH afirma
que o acordo previa o repasse para a entidade de aproximadamente 250.000 reais
obtidos com o leilão e o show. "Inicialmente, o projeto se resumiria
a arrecadar fundos para a aquisição de uma casa em condições adequadas para a
família de Amarildo. Mas logo se viu que seu desaparecimento não era um caso
isolado", explicou Tancredo, por e-mail, ao site de VEJA. Segundo ele, os
recursos serão aplicados em um “projeto ainda indefinido”. As opções aventadas
pela ONG envolvem o custeio de uma pesquisa para traçar o perfil dos
desaparecidos, um serviço de atendimento de familiares de desaparecidos, o
acompanhamento jurídico de casos do tipo ou a formação de uma rede para debater
o tema. É dificil acreditar que quem contribuiu com o “Somos Todos
Amarildo” desejava que seu dinheiro tivesse esse destino incerto. O cheiro
de oportunismo é fortíssimo.
(Fonte: Veja)
Foto Tânia Rêgo/ABr
Nenhum comentário:
Postar um comentário