Numa loja central da abafada Santa Maria de janeiro um
homem insiste em comprar os sinalizadores de R$ 2,50 a unidade. O vendedor
argumenta dizendo que para o que ele queria o produto adequado custava R$
70,00. “Eu sei o que estou fazendo”, responde o músico entre risadas e com jeito
de especialista. Quatro dias depois, um desses sputniks é aceso e cospe
fagulhas no isolador de plástico colocado no forro da boate. O rapaz que os comprou
era um dos integrantes da banda musical que anima a festa.
Água mineral é jogada sem sucesso contra o fogo, extintores instalados nas paredes próximas do palco são arrancados às pressas. Mas não funcionam, pois quinze dias antes daquela festa o pó dos cilindros tinha sido esgotado numa brincadeira adolescente durante um aniversário comemorado ali.
Água mineral é jogada sem sucesso contra o fogo, extintores instalados nas paredes próximas do palco são arrancados às pressas. Mas não funcionam, pois quinze dias antes daquela festa o pó dos cilindros tinha sido esgotado numa brincadeira adolescente durante um aniversário comemorado ali.
O jeito era correr. Também não dava. Na saída planejada
apenas para evitar que frequentadores saíssem sem pagar, um funcionário ainda
tenta obrigar a gurizada desesperada a pagar antes suas comandas. Isso não foi
decisivo, mas ajudou no extrato final. E quem sabe quantos ali se livrariam de
respirar aquele venenoso cianureto da espuma, que se espalhara depressa por aquele
ambiente enegrecido.
Tudo conspirou para o desfecho daquele estonteante amanhecer
de 27 de janeiro, que começou bem antes. Servidores públicos negligentes, incompetentes
e irresponsáveis (ou seriam também corruptos?) aprovaram o funcionamento da
boate, mesmo que ela estivesse sempre na ilegalidade. O alvará de funcionamento
dos bombeiros expirará há 5 meses.
A sequência de desbaratinos custou duas centenas e meia
de vidas e estraçalhou a felicidade de outras milhares, as quais por toda a
vida chorarão suas ausências. Se uma dessas situações citadas acima não tivesse
existido a tragédia talvez fosse minimizada a um susto a ser contado entre risos
nos dias seguintes na faculdade. Mas não foi. Uma falha completou decisivamente
a outra e o ciclo trágico se fechou.
Se o poder público não teve a capacidade de evitar esse
desastre, mesmo sendo essa sua obrigação, agora tem a obrigação de oferecer ao
menos uma compensação digna por essas perdas. E essa compensação atende pelo
nome de justiça. As investigações da Polícia Civil indiciaram 28 pessoas. Já no
inquérito que o Ministério Público enviou à Justiça a lista foi reduzida a
sete. Nunca e nada vai estancar a sangria dessa gente, que dormia com a certeza
que os seus filhos se divertiam com segurança. Se redimir disso, tampouco o
estado conseguirá. Mas tem o poder para ao menos arrancar da garganta desses
familiares esse nó atravessado com gosto de impunidade, que neste 27 de janeiro completa um ano.
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Alex
Soares
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