segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Por toda a vida - um presente especial de Natal

Eles ganharam uma filha, reaprenderam a viver e mostraram como se constrói uma verdadeira história de amor  

No seu primeiro dia em casa a pequena Luma não conseguia dormir. A mãe, a tia e a avó fizeram de tudo e nada. A pegaram no colo, nanaram, brincaram com o bebê de dez meses. Nada. Coube ao pai a ideia de colocá-la de bruços sobre sua barriga. Deu certo. Aliviada, nenhum choro mais se ouviu naquela noite. Nas noites seguintes o ritual se manteve. Era o primeiro segredo da minúscula Luma desvendado pelo pai. A mãe também descobriria outros tantos. A aliança entre os três estava selada.

José Luiz Nunes e Zilma Fernandes se conheceram em 1993, depois de amigos os aproximarem. Natural de Torres ela tinha vindo a trabalho para Camaquã. Um ano depois se casaram. Era 14 de maio, ele tinha 38, trabalhava desde menino numa fazenda onde fazia de tudo – dos serviços burocráticos à orientação do trabalho da peonada. Até casar, o boa praça Zé era um boêmio voraz, bom de copo e apaixonado por uma festa entre amigos. Quatro anos mais nova, cheia de energia e firme, Zilma pôs Zé “nos trilhos”, mas na categoria. Era ela ou a noite e a bebida. Ele não pensou muito e preferiu a primeira opção. 
Aliança nos dedos, Preta agora tinha um novo sonho: ter um filho. Nos meses seguintes foram muitas as tentativas. Não deu. Diagnóstico: o fundo era psicológico. A ansiedade era o que atrapalhava. O tratamento sugerido pela médica de Preta, no entanto, não resolveu.

Veio então o plano B. Por sugestão da própria doutora, começaram a falar em adotar uma criança. Como sempre Zé Luiz foi parceiro. Não demoraram muito analisando prós e contras e do consultório foram direto para o Foro. Queriam ver a viabilidade, conhecer o trâmite e saber se realmente havia oferta de adoção. Se surpreenderam quando a servidora do Judiciário lhes informou que havia crianças, mas na frente deles sete casais desejavam o mesmo. Como não tinham telefone, uma vizinha ficou de fazer a ponte em caso de novidades. Três meses se passaram e numa tardinha abafada de dezembro de 1995 veio à esperada notícia. Ao bater na porta da família, a vizinha foi positiva: “Preta, o Foro chamou vocês; tem uma criança para adotar”.

O “nascimento” de Luma
Na data prevista, cedo o casal já estava em frente ao antigo prédio da Justiça, vizinho à Igreja Matriz. Após analisar os documentos exigidos para quem adota, entre os quais depoimentos de testemunhas e atestados de sanidade mental, a juíza autorizou que ambos tivessem o primeiro contato com a criança. Se fecharam então em outra sala e no colo de uma servidora estava a menina. A pequena tinha dez meses naquele 26 de dezembro de 1995. Para Preta, porém, aquele dia pós Natal é a data do nascimento de Luma Teixeira Nunes. A escolha pelo nome - a combinação dos primeiros nomes do casal - também foi em comum acordo.
O amor foi imediato e naquele mesmo dia tudo se desenrolou. Já era noite quando enfim o casal conseguiu terminar os trâmites. Assim, no dia seguinte eles poderiam levar para casa a menina. Preta não esperou. Passavam das 20h30min daquela quinta-feira quando a nova mãe conseguiu da juíza a autorização para pegar Luma no abrigo do Conselho Tutelar.

Na chegada em casa, festa. Vizinhos e parentes foram surgindo para conhecer a nova integrante dos Nunes. E foi ai que Zé Luiz começou a desvendar os segredinhos da filha. Quando a pegou no colo na cama e disse a menina que agora ela tinha um pai, Luma parou de chorar e adormeceu num esperado sonho que durou a noite toda. O sonho de pertencer a um lar, de ter um pai e uma mãe que lhe amassem. A mania de dormir de bruços nunca mais perdeu. Ela ganhara também uma avó, já que o casal morava com a mãe de Zé Luiz. Mesmo com a saúde debilitada, a sogra de Preta nunca deixou de encher de carinho a frágil menina.

Uma trajetória de percalços 

Na semana seguinte à adoção, veio o primeiro teste de amor. Ao levá-la ao médico, da ante sala do consultório, Preta, com a filha no colo, ouviu uma incômoda sentença: que Luma tinha “uns sete meses de vida”. As palavras saíram do médico, que falava com Zé Luiz após a consulta. Mesmo errando feio na cronologia, já que Luma está completando 17 anos, ele foi o primeiro a falar que Luma tinha paralisia cerebral. Mas a reação de Preta não poderia ser mais imediata. Chamou o marido e sumiram do consultório, com a promessa de nunca mais voltarem ali.
Para o casal o diagnóstico da doença, confirmado depois, foi uma surpresa. Quando a viram pela primeira vez notaram apenas que uma das mãozinhas do bebê era fechadinha e que ela tinha um agudo estrabismo. Mas não lhes passara pela cabeça que o problema poderia ser maior. Confirmado o problema, Preta e Zé Luiz se uniram numa força descomunal em torno de Luma. Em nenhum momento, pensaram em voltar atrás. Eles tinham uma filha e por ela iriam lutar. E ambos tinham a consciência que tudo aquilo não acontecera por acaso. Entenderam rápido e claramente a missão que a vida estava lhes incumbindo: proteger e fazer Luma feliz. Conseguiram.
 

Certo dia, ao visitarem uma parente de Preta em Porto Alegre, a mulher fez uma observação que faria com que o casal nunca mais a visitasse. Deselegante, a anfitriã questionou a escolha deles na adoção. Preta não pensou duas vezes: de novo pegou Luma e Zé e voltou para casa. Mas antes, lembra Preta, hoje mais descontraída: “tive que falar umas boas verdades para ela”.



Uma vida normal
Vieram os tratamentos, o ingresso de Luma na Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais. A APAE se tornaria a segunda casa de Luma, as profissionais suas tias queridas, seus colegas os irmãos amados. Representando a entidade, Luma ganhou medalhas Rio Grande afora, participou de outros tantos eventos, fez muitas amizades e se sentiu cada vez mais inserida. A APAE de Camapuã hoje tem Luma como uma das suas referências. E é ali que ela passa suas tardes, aprende, faz fisioterapia, piscina e participa do coral. O amor por Luma se multiplicou na mesma medida que sua vontade de viver crescia.
Em 7 de março deste ano, Luma perdeu seu herói. Luma sentiu, ficou semanas calada e ainda não assimilou a falta. Vez que outra, a adolescente pega a mãe pela mão e pede pra ela lhe levar até a rua e mostrar no céu a estrela em que se transformou o seu melhor amigo. Preta não esmorece. Se transformou em pai também, chora quando lembra do marido e de todo o seu amor dispensado a ela e à filha, se emociona quando fala de todas as renúncias feitas por Zé para felicidade dos três e suspira quando recorda do orgulho que Zé sentia quando ela a arrumava para eles passearem.

E a vida continua para Luma. Mesmo Com as limitações que a vida lhe impôs, ela está firme no propósito de ser feliz. E neste caso, o amor mostrou que tudo pode.     

Um comentário:

  1. Fiquei muito emocionada com a história de Luma,que linda!!!! Que pessoas maravilhosas!!!! Isso sim é uma verdadeira família cheios de amor!!! São exemplos como esse que devem ser manchetes nos jornais!!!!

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